UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE TECNOLOGIA

MESTRADO EM TELECOMUNICAÇÕES

2003

 

 

Disciplina TE-723 - COMUNICAÇÃO DE DADOS

Prof. EDUARDO PARENTE RIBEIRO

 

 

Padrões ITU-T de QoS para Redes Baseadas em IP

 

 

Por: Gérson Eduardo Mog

 

Fonte: N. Seitz, “ITU-T QoS Standards for IP-Based Networks”, IEEE Commun. Mag., June 2003.

 

 

1. Resumo

 

Para dar suporte à convergência da rede pública de comutação telefônica (PSTN - Public Switched Telephone Network) para a rede IP (Internet Protocol), as redes IP futuras deverão prover QoS (Quality of Service - Qualidade de Serviço) diferenciados para diversas aplicações de usuários finais, incluindo a telefonia. Para atingir as soluções de QoS terminal a terminal, os provedores de redes IP deverão concordar com um conjunto de parâmetros de desempenho na transferência de pacotes e também com um conjunto de objetivos de QoS. O artigo descreve duas recomendações do ITU-T, a Y.1540 e a Y.1541, que documentam estes parâmetros e objetivos.

 

 

2. Introdução

 

É de conhecimento geral que  as redes de comutação de circuitos e de pacotes estão convergindo para o Protocolo Internet (IP). Esta rede IP deverá transportar tanto a rede pública de comutação telefônica (PSTN) quanto a comutação tradicional de Internet. Este cenário de convergência tem um grande apelo: oferece redução de custos, através da consolidação tecnológica, e o crescimento industrial, pela criação de novos serviços. Entretanto, esta convergência está se materializando muito lentamente. Do ponto de vista tecnológico, o maior empecilho é a qualidade do serviço (QoS). As redes IP tradicionais são otimizadas para que os recursos disponíveis sejam distribuídos igualmente, mas sem garantir que níveis particulares de desempenho sejam atingidos. O modelo usado é muito bem sucedido no suporte a aplicações de tempo não real (e-mail, transferência de arquivos) e estendido a aplicações de tempo quase real (transmissão de áudio e vídeo, navegação na Web). Dada a disponibilidade de largura de faixa, o modelo otimizado satisfaz até mesmo as necessidades de aplicações de vários usuários de transmissão de voz em telefonia e outras aplicações de tempo real. Entretanto, não garante a satisfação confiável nestas aplicações quando as restrições na largura de faixa aumentarem consideravelmente o atraso na entrega e a perda de pacotes. Para a concretização desta convergência, as redes IP futuras deverão implementar um novo modelo de compartilhamento de recursos, capaz de fornecer confiavelmente QoS diferenciados para diversos tipos de aplicações, incluindo, principalmente, voz sobre IP (VoIP). Tal compartilhamento de recursos deverá ser coordenado entre diferentes jurisdições, em um ambiente multi-provedor.

 

Uma solução de QoS terminal a terminal que permita a convergência IP/PSTN parece ser realizável em três passos:

 

Passo 1: Conseguir a concordância dos provedores da rede IP em um conjunto de parâmetros de desempenho da rede e em um conjunto de objetivos de QoS.

 

Passo 2: Desdobrar esta concordância para mecanismos de rede que possam suportar os objetivos especificados de QoS de terminal a terminal.

 

Passo 3: Embutir os objetivos de QoS no protocolo de sinalização, para permitir a criação por demanda de fluxos IP com QoS assegurada.

 

A União Internacional de Telecomunicações - Setor de Padronização das Telecomunicações (ITU-T), Grupo de Estudo 13, completou recentemente dois padrões internacionais (recomendações), que preenchem o primeiro destes passos. A primeira recomendação, Y.1540, define parâmetros de desempenho padrões  para a transferência de pacotes na rede IP [1]. A segunda, Y.1541, especifica os objetivos porta a porta da rede dos parâmetros definidos na Y.1540, e classifica os valores numéricos de seus objetivos em 6 classes [2]. O artigo descreve o desenvolvimento destas novas recomendações, sumariza seu conteúdo técnico, e identifica o trabalho adicional necessário para maximizar os benefícios de seu usos em redes IP com QoS garantida.

 

 

3. Recomendação Y.1540

 

A recomendação Y.1540 define os parâmetros a serem usados para a especificação e avaliação da velocidade, exatidão, dependência e disponibilidade da transferência de pacotes IP em comunicação internacional de dados. Os parâmetros podem ser usados para caracterização da rede IP terminal a terminal e de partes da rede que suportam os serviços. As definições da Y.1540 referenciam o transporte de dados sem conexão como um aspecto distinto da rede IP. A Y.1540 é aplicável à rede IP Versão 4 (Ipv4).

 

O público alvo da Y.1540 são os provedores de redes IP, fabricantes de equipamentos e os usuários finais. Os provedores de redes a usarão para planejamento, desenvolvimento e avaliação das redes IP com relação às necessidades de desempenho dos usuários. Um grande provedor de rede já está usando os parâmetros da Y.1540 para a monitoração do desempenho da transferência de pacotes IP [3]. Os fabricantes a usarão para desenvolvimento e comercialização de seus equipamentos, conforme especificações dos provedores. Usuários finais a aplicarão na avaliação do desempenho das redes IP realmente empregadas entre terminais.

 

 

3.1. Processo de Desenvolvimento de Parâmetros

 

A figura 1 ilustra os três passos do processo proposto pelo Grupo de Estudo 13 do ITU-T para o desenvolvimento dos parâmetros de desempenho das redes IP e identifica o escopo da Recomendação Y.1540 neste contexto.

 

O primeiro passo é a definição das interfaces nas quais os parâmetros serão aplicados, e os eventos específicos que devem ser observados naquelas interfaces. A rede é modelada como a concatenação de seções de rede e de ligações de interconexão. As interfaces entre eles, chamadas de pontos de medição (MPs) são fronteiras funcionais, nas quais os protocolos padronizados de comunicação podem ser observados. Os eventos significativos de desempenho que podem ser contados, temporizados, ou comparados nos MPs são chamados  eventos de referência (REs). REs específicos são definidos pelo protocolo de interface.

 

O segundo passo é a definição de um conjunto de parâmetros primários que caracteriza coletivamente o desempenho da rede. Os parâmetros primários são relacionados com funções particulares de comunicação, e são definidos em termos dos REs. Uma função de comunicação define a resposta esperada da rede (ou porção de rede) a um estímulo externo especificado; os estímulos e respostas são REs. Três funções de comunicação genéricas são comumente usadas em descrição de desempenho de redes digitais: acesso, transferência de informação e desacoplamento. Estatisticamente, os parâmetros de desempenho são variáveis aleatórias em um espaço de amostragem que distingue os possíveis valores que uma função de desempenho pode encontrar. Para qualquer função discreta, três tipos gerais de valores podem ser encontrados: execução com sucesso, execução com erro, ou não execução. Os correspondentes interesses (ou critérios) dos usuário são velocidade, exatidão e dependência. Estes critérios são relacionados com as três funções genéricas de comunicação através de uma matriz 3x3 [4]. Um ou mais parâmetros primários são definidos para referenciar cada combinação função/critério na matriz. O auxílio da representação matricial assegura que nenhum atributo significante de desempenho seja referenciado mais de uma vez.

 

O terceiro passo no desenvolvimento de parâmetros é a definição de um conjunto de parâmetros de disponibilidade para caracterizar o desempenho de um ponto de vista macroscópico, mais abrangente. Os parâmetros de disponibilidade são definidos com base nos valores observados de um subconjunto de parâmetros primários, os parâmetros de decisão de disponibilidade. A trajetória da comunicação entre dois (ou mais) usuários pode estar tanto em estado disponível quanto em estado indisponível, por uma função de disponibilidade, que compara os valores observados dos parâmetros de decisão com os correspondentes valores de decisão em períodos sucessivos de observação. Os parâmetros de disponibilidade caracterizam o resultante processo aleatório binário, em termos estatísticos.

 

 

 

Figura 1. Modelo de Referência e Escopo da Recomendação Y.1540

 

 

No desenvolvimento da Y.1540, o Grupo de Estudo 13 determinou que os MPs de interesse são as fronteiras jurídicas que separam redes IP operadas independentemente (sistemas autônomos), de um usuário a cada um outro qualquer. O protocolo de interface relevante é o IPv4, e as unidades relevantes de informação são pacotes IP. Um evento de referência de transferência de pacote IP (IPRE) ocorre, para um determinado par fonte/destino (SRC/DST), quando um pacote IP com o determinado par SRC/DST de endereço IP e um check-sum válido no cabeçalho atravessa um MP. A única função de comunicação considerada na Recomendação Y.1540 é a transferência de pacote IP; as funções de acesso e desacoplamento não são referenciadas. Isto reflete a natureza sem conexão das redes IP atuais. O Grupo de Estudo 13 do ITU-T e outros grupos estão desenvolvendo parâmetros de desempenho para redes IP que podem incluir estas funções no futuro (tais como estabelecimento e término de uma comunicação orientada a conexão).

 

A Recomendação Y.1540 define quatro resultados para o evento de transferência individual de um pacote através de uma rede IP, baseados em seus REs e MPs. Eles são ilustrados de uma forma simplificada na figura 2. Um pacote IP que entra em uma seção de MP de entrada pode encontrar um em três resultados: transferência com sucesso, erro ou perda de pacote. Um pacote IP que surge de uma seção de MP de saída sem um pacote correspondente de entrada é dito espúrio. Os eventos de transferência de pacotes IP e seus resultados são definidos mais formalmente na Y.1540, levando em conta a informação global de roteamento e a possibilidade de fragmentação de pacotes. A informação global de roteamento pode excluir um pacote que possua um par de endereços SRC/DST sem permissão de comunicação, não caracterizando um resultado de perda de pacote pela rede IP. A fragmentação de pacotes pode causar a geração de REs adicionais em MPs intermediárias, não caracterizando um resultado de pacote espúrio na fragmentação ou perda de pacote na reconstrução do pacote original.

 

 

 

Figura 2. Resultados Possíveis para a Transferência de Pacotes

 

 

3.2. Parâmetros de Desempenho de Transferência de Pacotes IP

 

A Recomendação Y.1540 define cinco parâmetros de desempenho de transferência de pacotes IP, com base nos resultados mostrados na figura 2.

 

O atraso na transferência de pacote (IP packet transfer delay - IPTD) é o tempo (t2-t1) entre a ocorrência de dois correspondentes IPREs: um RE1 de entrada de pacote no tempo t1 e um RE2 de saída de pacote no tempo t2, onde t2>t1 e (t2-t1)£Tmax. IPTD é definido para toda transferência de pacote com resultado de sucesso ou de erro. Se o pacote for fragmentado, t2 é o tempo do RE final de saída do pacote completo. O IPTD médio, o parâmetro realmente especificado na Recomendação Y.1541, é a média aritmética dos IPTDs de uma população de interesse.

 

A variação do atraso de pacote IP (IP packet delay variation - IPDV) é definida com base nas observações dos correspondentes eventos de chegada de pacotes IP nos MP de entrada e saída, tais como MP1 e MP2, na figura 3. A variação do atraso de pacote (vk) para um pacote IP k entre MP1 e MP2 é a diferença entre o atraso absoluto de transferência (xk) do pacote IP e o atraso absoluto de transferência de um determinado pacote IP de referência, d1,2, entre os mesmos MPs: vk = xk - v1,2. O atraso absoluto de transferência do pacote de referência, d1,2, entre SRC e DST é o atraso absoluto de transferência experimentado pelo primeiro pacote IP entre os dois MPs.

 

A razão de perda de pacote IP (IP packet loss ratio - IPLR) é a relação entre o total de resultados de perda de pacotes IP e o total de pacotes IP transmitidos de uma população de interesse.

 

 

Variáveis:

a1,k = Tempo de chegada do pacote k no MP1

a2,k = Tempo de chegada do pacote k no MP2

d1,2 = Atraso de transferência do pacote 0 do MP1 ao MP2

xk = Atraso de transferência do pacote k do MP1 ao MP2 = a2,k - a1,k

vk = Variação no atraso de transferência do pacote k do MP1 ao MP2 = xk - d1,2

 

Figura 3. IPDV

 

 

A razão de erro de pacote IP (IP packet error ratio - IPER) é a relação entre o total de resultados de erro de transmissão de pacotes IP e o total de resultados de sucesso ou erro de transmissão de pacotes IP de uma população de interesse.

 

A taxa de pacotes IP espúrios (spurious IP packet rate - SIPR) em um MP de saída é o número total de pacotes IP espúrios observados neste MP de saída durante um intervalo de tempo especificado dividido pela duração do referido intervalo de tempo (equivalente ao número de pacotes IP espúrios por segundo no referido MP). Este parâmetro é expresso como uma taxa temporal em vez de uma relação adimensional, porque o mecanismo que causa os pacotes IP espúrios tem muito pouca dependência com o número de pacotes transmitidos.

 

Embora não exaustivos, estes parâmetros coletivamente referenciam a maioria das restrições de desempenho dos usuários de uma rede IP. IPTD descreve o tempo médio que uma rede leva para transferir pacotes entre dois MPs. Seus limites serão cruciais para o desenvolvimento com sucesso de VoIP, videoconferência, e outras aplicações de tempo real, e influenciará fortemente a aceitação das outras aplicações. IPDV caracteriza a variação da temporização de transferência de pacotes referidos a um correspondente padrão. Ele deve ser controlado para evitar overflow ou underflow nos roteadores IP ou buffers de terminais. IPLR expressa a probabilidade que um pacote entregue à rede em uma interface de entrada deixe de ser entregue no(s) ponto(s) de saída apropriado(s). Deve ser limitada para assegurar a inteligibilidade e qualidade de imagem em aplicações de voz e vídeo de tempo real, e manter razoável eficiência em outras aplicações. A perda consecutiva de pacotes é de particular interesse em aplicações de tempo real não elásticas, tais como voz e vídeo. O parâmetro razão severa de perda de blocos é uma maneira de caracterizar estes eventos. IPER e SPIR expressam a probabilidade de que o dado entregue ao destinatário seja diferente do dado enviado pelo remetente, como resultado de corrupção ou duplicação de dados, ou roteamento errôneo na rede.

 

A Recomendação Y.1540 é omissa na medida de qualquer parâmetro que descreva a taxa de transferência de pacotes do usuário, ou capacidade de transferência, que a rede suporta. A Y.1541 relata que esta capacidade e outras características relativas ao fluxo de dados podem ser obtidas usando-se um descritor de tráfego de rede IP definido na Recomendação Y.1221 [5]. Uma gama de possíveis trabalhos futuros em medidas de capacidade de transferência de volumes de dados é definida na RFC 3148 [6].

 

 

3.3. Parâmetros de Disponibilidade

 

Como definido na Recomendação Y.1540, a disponibilidade aplica-se a um fluxo unidirecional de transferência de pacotes IP entre um par (ou conjunto) especificado de MPs. As funções de disponibilidade da Y.1540 especificam IPLR como o único parâmetro de decisão. Para um especificado fluxo, uma porção de rede é dita disponível em um período de observação se o valor de IPLR observado para o fluxo é menor que um dado valor de decisão, c1. Do contrário, a porção de rede está indisponível. A Recomendação Y.1540 especifica  um valor de c1 de 0,75, e ressalta que as especificações do IPLR esperado devem excluir todos os períodos de indisponibilidade (todos os períodos onde IPLR excede c1). A Recomendação define um tempo mínimo de observação da indisponibilidade de 5 minutos. A definição de disponibilidade da Y.1540 pretende que seja usada para a caracterização de desempenho de rede tanto para tráfego normal entre fonte e destino, quanto para tráfego gerado por testadores e outros componentes de medida. A Y.1540 ressalta que o tráfego de teste deve ser limitado de modo que não cause congestionamento, o que pode alterar os resultados dos testes.

 

A Recomendação Y.1540 define dois parâmetros de disponibilidade. Para uma dada porção de rede, a disponibilidade percentual é a percentagem de tempo durante o qual a porção de rede realmente mantém o fluxo de dados no estado disponível. A indisponibilidade percentual é o seu complemento, isto é, a percentagem de tempo durante o qual a porção de rede está com seu fluxo de dados no estado indisponível. Em qualquer especificação, a soma dos dois valores é 100%. O período de medida é limitado ao tempo previsto de funcionamento, excluindo-se qualquer período acordado de indisponibilidade, por desligamento para manutenção preventiva, por exemplo.

 

 

4. Recomendação Y.1541

 

A Recomendação ITU-T Y.1541 especifica os valores numéricos a serem conseguidos, em redes IP internacionais, entre usuários terminais, para cada parâmetro desenvolvido na Recomendação Y.1540. Os valores especificados são agrupados em um número distinto de classes de QoS para estabelecer uma base prática de comunicação entre usuários finais e provedores de redes, e entre provedores, em termos de qualidade a ser oferecida em conexões terminal de rede a terminal de rede.

 

 

4.1. Processo de Especificação de Desempenho

 

A definição numérica de objetivos é o passo chave - e também a maior dificuldade - no desenvolvimento da especificação de desempenho de comunicações internacionais pelo ITU-T. Em contrapartida, operadores de rede reconhecem que  o desempenho terminal a terminal é limitado pelo pior desempenho das porções de rede envolvidas, e que as exigências dos usuários somente podem ser satisfeitas se cada rede concatenada for projetada e operada tendo estas exigências em mente. Por outro lado, os operadores estão cientes que as especificações de desempenho afetam fortemente a viabilidade econômica de uma rede, em um jogo de competitividade com diferenciação de produtos e mercados, e representa um compromisso que os usuários esperam que seja satisfeito.

 

Na definição dos objetivos de desempenho terminal a terminal para aplicações particulares e tecnologias de redes, o Grupo de Estudo 13 do ITU-T tem historicamente empreendido dois métodos concorrentes e complementares de avaliação. O primeiro, top-down, traduz os requisitos de usuários finais e necessidade de qualidade para valores numéricos para os parâmetros de padronização do ITU-T. Esta abordagem top-down é feita para cada categoria de aplicações de usuário, e deve referenciar a variabilidade de funcionalidade e desempenho. A segunda, bottom-up, traduz as especificações técnicas que definem as capacidades e limitações dos elementos individuais  de rede para valores numéricos para a mesma padronização do ITU-T. A abordagem bottom-up é baseada em configurações de referência  que identificam concatenações típicas de redes e os piores casos das variáveis, tais como distâncias geográficas entre as diferentes interfaces de rede. Em redes compartilhadas, outras variáveis tais como capacidades, tráfego oferecido, e mecanismos de gerenciamento de recursos, também devem ser consideradas. Idealmente, as abordagens top-down e bottom-up produzem faixas sobrepostas de valores para os parâmetros padronizados, dentro das quais um ou mais objetivos podem ser especificados.

 

O processo de seleção dos objetivos numéricos foi especialmente desafiante no caso da Recomendação Y.1541. Da perspectiva top-down, o desafio chave foi abranger diversas aplicações de usuário finais. Os participantes do Grupo de Estudo 13 foram capazes de contornar e segmentar o espaço de aplicações considerando sistematicamente, para cada aplicação, a relação funcional entre a satisfação do usuário e os valores dos parâmetros da Recomendação Y.1540. A análise top-down foi grandemente facilitada pela forte ligação com o Grupo de Estudo 12 do ITU-T, que se especializou por muitos anos em relacionar a qualidade percebida e a aceitação dos usuários para as particulares aplicações e meios (tais como conversação, imagem, texto) com a diversidade de redes de transmissão, levando em conta o desempenho do telefone, dos equipamentos audiovisuais e dos terminais interativos de voz. Uma poderosa ferramenta para estabelecer tais relações foi o modelo E, descrito em [7]. Os padrões nacionais e regionais também forma considerados (tais com em [8]).

 

O Grupo de Estudo 13 recebeu forte influência na abordagem bottom-up dos provedores de redes para a caracterização da capacidade de desempenho e das limitações dos elementos de rede IP disponíveis e de definições realísticas de configurações de rede. As análises top-down e bottom-up confirmaram que nenhum conjunto único de padrões de desempenho poderá atender com viabilidade econômica todas as aplicações para as redes IP; desta forma, o Grupo de Estudo 13 empreendeu esforços no sentido de definir vários conjuntos de objetivos de desempenho, as classes Y.1541 de QoS.

 

A seleção das classes de QoS incluída na Recomendação Y.1541 foi debatida no Grupo de Estudo 13, Reunião de Trabalho 4, em vários encontros. Em discussões recentes,os participantes consideraram uma negociação por parâmetro, que permitiria aos usuários especificarem valores para cada parâmetro independentemente. Era sabido que qualquer liberdade total de escolha seria muito complicada de implementar. De fato, houve um forte consenso de que o número de classes de QoS distintas especificadas na Y.1541 deveria ser minimizado para evitar complicação desnecessária do padrão e, mais importante, das tecnologias necessárias para sua implementação. Para obter uma larga cobertura, o grupo concordou que  as classes definidas deveriam abranger um grande conjunto de aplicações e uma alta percentagem de necessidades dos usuários das redes IP emergentes. Em adição às tradicionais aplicações da Internet, foi incluído o telefone ponto a ponto, a teleconferência multimídia e a transferência de dados interativa, tal como sinalização. O grupo concluiu que as necessidades de aplicações com particularmente pouca demanda, tais como distribuição de vídeo de tempo real de alta resolução e conexões TCP de banda larga, não deveriam estar contempladas nas classes de QoS neste momento. Foi acordado que cada classe deveria abranger um grupo de aplicações onde os requisitos de desempenho fossem semelhantes, mas significativamente diferentes das demais classes. Uma heurística que o grupo usou para limitar a complexidade  da estrutura de classes de QoS foi perguntar, para cada par de classes propostas, se os operadores das redes IP tiveram de realizar implementações diferenciadas para elas. As classes eram distintas se a resposta fosse sim.

 

 

4.2. Trajetória de Referência da Y.1541

 

Os objetivos de desempenho terminal a terminal definidos na Recomendação Y.1541 são aplicáveis de interface de rede a interface de rede, como mostrado na figura 4. A trajetória da rede IP terminal a terminal inclui o conjunto de seções de rede e ligações de interconexão que transportam os pacotes IP de SRC para DST; o protocolo abaixo e inclusive os níveis IP dentro de SRC e DST podem ser também considerados parte da rede IP. As seções de rede correspondem a domínios de operadoras, e podem incluir arquiteturas de acesso à rede IP. As instalações do usuário incluem todos os equipamentos terminais, tais como o computador e qualquer roteador local ou LAN.

 

 

4.3. Objetivos de Desempenho e Classes de QoS

 

Os objetivos de desempenho da Recomendação Y.1541 são especificados na tabela 1. Cada classe de QoS cria uma específica combinação de limites em um subconjunto de valores de desempenho. As classes e seus objetivos de desempenho associados são aplicáveis ao fluxo de pacotes IP entre MPs que delimitam a rede terminal a terminal (tais como as interfaces de rede da figura 4). Um fluxo de pacotes IP é o tráfego associado com uma dada conexão ou um fluxo sem conexão, tendo os mesmos endereços de origem (SRC) e de destino (DST), classe de serviço e identificação de sessão. Outros documentos usam os termos micro-fluxo ou sub-fluxo quando se referem a tráfego de fluxos com este grau de classificação.

 

As classes 0 e 1 colocam limitantes superiores para atrasos de transferência de pacotes e perda de pacotes. Elas também limitam a variação de atraso de pacotes. As classes 2 e 3 colocam limitantes superiores para atrasos de transferência de pacotes e perda de pacotes, mas não limitam a variação no atraso de pacotes. As classes 0 e 2 diferem das classes 1 e 3 nos limites do atraso da transferência de pacotes. A classe 4 limita a perda de pacotes e fornece um limitante suave para o atraso. A Y.1541 também define uma classe não especificada (classe 5) que não fornece garantias de desempenho. O valor limite da razão de erro de pacote foi escolhido para garantir que a perda de pacote seja a causa dominante dos defeitos apresentados nos níveis superiores. Os objetivos de QoS são aplicáveis quando as velocidades dos acessos estão em T1 ou E1 ou maiores. O objetivo de IPTD das classes 0 e 2 não serão sempre atingidos em trajetórias muito longas.

 

 

TE = Equipamento terminal

GW = Porta de roteador

NI = Interface de Rede

 

Figura 4. Trajetória de Referência para os Objetivos de QoS

 

 

Parâmetro de Desempenho de Rede

Natureza do Objetivo de Desempenho de Rede

Classes de QoS

0

1

2

3

4

5

IPTD

Limite superior no IPTD médio

100 ms

400 ms

100 ms

400 ms

1 s

U

IPDV

Limite superior em 10-3 períodos de IPTD menos o mínimo IPTD

50 ms

50 ms

U

U

U

U

IPLR

Limite superior na perda de pacotes

10-3

U

IPER

Limite superior nos erros de pacotes

10-4

U

 

Obs: U = não especificado (unspecified)

 

Tabela 1. Definição de Classes e Objetivos de Desempenho de QoS para Redes IP

 

 

A Y.1541 presume que os usuários e provedores de redes concordaram com um perfil de tráfego que se aplica  a um ou mais fluxos nas classes de QoS. Neste instante, as partes concordantes podem usar especificações de qualidade que considerarem apropriadas tão logo permitam implantação e verificação. Por exemplo, a taxa de transferência de bits de pico (incluindo os cabeçalhos de níveis inferiores) pode ser suficiente. Quando protocolos e sistemas que suportam requisitos dinâmicos forem disponíveis, os usuários negociarão um contrato de tráfego, que especifica um ou mais parâmetros de tráfego, em concordância com a Recomendação Y.1221.

 

Das redes que oferecem comunicação IP de acordo com a Y.1541 espera-se que suportem os limites terminal a terminal para todo o período de um fluxo estabelecido enquanto os usuários não excederem suas capacidades contratadas. Y.1541 estipula que as redes compatíveis com ela não são obrigadas a oferecer os valores de QoS acordados se a capacidade for excedida. Uma rede que observar este excesso de fluxo pode descartar um número de pacotes igual ao número de pacotes em excesso. Estes pacotes descartados não são contados como perdidos na avaliação do parâmetro IPLR de desempenho.

 

Adicionalmente aos objetivos de desempenho e classes de QoS, a Recomendação Y.1541 especifica várias variáveis subordinadas (período mínimo de observação, comprimento de pacotes de teste, tamanho de amostras, etc.) para facilitar a estimação e comparação de desempenhos. Como exemplo, um mínimo intervalo de tempo de medida de 10 a 20 minutos é recomendado para avaliar VoIP em velocidades típicas de pacotes (50 a 100 pacotes por segundo). O intervalo recomendado para medida de perda, atraso e sua variação, é de 1 minuto, um compromisso entre a confiabilidade estatística e a relevância para o usuário.

 

A tabela 2 (da Recomendação Y.1541) fornece um direcionamento na aplicabilidade e engenharia das classes de QoS. A Y.1541 salienta que estas diretivas são completamente discriminatórias; provedores de redes podem usar mesmo mecanismos de equipamentos de redes, confinamento de roteamento ou outras técnicas que escolherem.

 

 

Classe

Aplicações (exemplos)

Mecanismos de Nó

Técnicas de Rede

0

Tempo real, sensibilidade a jitter, altamente interativa (VoIP, vídeo teleconferência)

Fila separada com serviço preferencial, escalonamento de tráfego

Rotas e distâncias confinadas

1

Tempo real, sensibilidade a jitter, interativa (VoIP, vídeo teleconferência)

Fila separada com serviço preferencial, escalonamento de tráfego

Rotas e distâncias fracamente confinadas

2

Transferência de dados, altamente interativa (sinalização)

Fila separada, menos prioridade

Rotas e distâncias confinadas

3

Transferência de dados, interativa

Fila separada, menos prioridade

Rotas e distâncias fracamente confinadas

4

Baixas perdas somente (transmissões curtas, blocos de dados, difusão de vídeo)

Fila longa, menos prioridade

Qualquer rota

5

Aplicações tradicionais de redes IP

Fila separada, mais baixa prioridade

Qualquer rota

 

Tabela 2. Diretivas para as Classes de QoS

 

 

5. Conclusões e Trabalhos Subseqüentes

 

As Recomendações ITU-T Y.1540 e Y.1541 juntas são uma peça chave nas questões de QoS em redes IP. Y.1540 define os parâmetros padrão de desempenho para transferência de pacotes nas redes baseadas em IP. Y.1541 especifica os objetivos interface a interface dos parâmetros da Y.1540 e classifica  os seus valores numéricos de objetivos em seis classes distintas de QoS em redes IP. Em conjunto, as classes da Y.1541 abrangem a maioria das categorias de aplicações de usuários de redes IP. Elas são relacionadas a mecanismos de QoS implementáveis em redes IP. Os valores de desempenho que elas especificam podem ser atingidos em redes IP práticas, e podem ser verificados, através de equipamento instrumental terminal, em fronteiras jurídicas ou através de funções inter-redes. Elas documentam uma importante concordância entre provedores de rede, fabricantes de equipamentos e  usuários finais nos níveis de qualidade que serão necessários para fornecer qualidade em uma larga variedade de aplicações IP, incluindo a telefonia. Elas podem ser usadas como base para as negociações de QoS entre redes. Elas podem também satisfazer a necessidade de uma linguagem clara para QoS em interoperabilidade entre diferentes tecnologias de redes.

 

Embora o conjunto Y.1540/Y.1541 represente um útil passo à frente, a evolução bem sucedida de uma rede baseada em IP de próxima geração que suporte uma variedade dinâmica de classes de QoS não está garantida. Os mecanismos de QoS não estão totalmente desdobrados nas atuais redes IP. Embora classes estáticas de QoS possam ser implementadas hoje por associação de marcações de pacotes com classes específicas de QoS, muito trabalho é ainda necessário para definir uma arquitetura com QoS flexível [9] e também para identificar como implementar as classes de QoS da Y.1541 em protocolos de sinalização [10]. Os provedores terão de definir, e provavelmente também padronizar, os meios de integração  dos objetivos de desempenho entre as várias redes independentes que tipicamente inter-operarão para fornecer fluxos IP com QoS garantida entre usuários finais. Em resumo, a continuidade da convergência IP/PSTN requererá uma convergência de pensamentos e ações considerando QoS em redes IP. O Grupo de Estudo 13 do ITU-T e ouras organizações de padronização estão trabalhando para que este objetivo seja atingido.

 

 

6. Referências Bibliográficas

 

[1] ITU-T Rec. Y.1540, “IP Packet Transfer and Availability Performance Parameters”, Dec. 2002.

 

[2] ITU-T Rec. Y.1541, “Network Performance Objectives for IP-Based Services”, May 2002.

 

[3] L. Ciavattone, A. Morton, and G. Ramachandran, “Standardized Active Measurements on a Tier 1 IP Backbone”, IEEE Commun. Mag., June 2003.

 

[4] ITU-T Rec. 1350, “General Aspects of Quality of Service and Network Performance in Digital Networks, Including ISDNs”, Mar. 1993.

 

[5] ITU-T Rec. 1221, “Traffic Control and Congestion Control in IP Based Networks”, Mar. 2002.

 

[6] M. Mathis and M. Allman, “A Framework for Defining Empirical Bulk Transfer Capacity Metrics”, IETF RFC 3148, July 2001.

 

[7] M. Perkins et al., “Speech Transmission Performance Planning in Hybrid IP/SCN Networks”, IEEE Commun. Mag., July 1999, pp.126-31.

 

[8] “Quality of Service for Business Multimedia Conferencing”, ANS T1.522, Apr. 2000.

 

[9] H. -L. Lu and I. Faynberg, “Na Architectural Framework for Support of QoS in Packet Networks”, IEEE Commun. Mag., June 2003.

 

[10] ITU-T Study Group 11 draft TRQ.IPQoS.SIG.CS1, “Signaling Requirements for IP-QoS”, Nov. 2002.